A discussão sobre a tributação de dividendos sempre gerou debates acalorados no Brasil. Por muitos anos, os lucros distribuídos pelas empresas aos seus sócios e acionistas foram isentos de Imposto de Renda, o que colocava o país em uma posição atípica em relação ao restante do mundo. Agora, essa realidade pode estar prestes a mudar.
No final de setembro de 2025, a Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei 1087/25, que prevê a cobrança de 10% de Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) sobre dividendos que ultrapassarem R$ 50 mil mensais pagos por uma mesma empresa a uma mesma pessoa física. O texto segue agora para análise no Senado, mas já reacendeu a discussão sobre justiça tributária, impactos econômicos e os efeitos para investidores e empresários.
O que são dividendos?
Dividendos são parcelas do lucro de uma empresa distribuídas aos seus acionistas ou sócios. Para quem investe em ações ou participa como sócio de empresas, essa é uma forma de remuneração sobre o capital investido.
No Brasil, desde 1995, os dividendos pagos a pessoas físicas não eram tributados. Isso significava que os rendimentos recebidos pelos acionistas chegavam integralmente ao bolso dos investidores, sem desconto de Imposto de Renda.
Esse modelo fazia do Brasil uma exceção mundial. Entre os países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), apenas três — Estônia, Letônia e Brasil — não tributavam dividendos. Em contrapartida, países como Argentina (7%), China (20%), Reino Unido (39%) e Dinamarca (42%) já aplicam alíquotas sobre esse tipo de rendimento.
O que muda com a proposta?
Com a aprovação pela Câmara, a tributação de dividendos passa a ter uma regra clara:
- Alíquota de 10% aplicada sobre valores que excederem R$ 50 mil mensais;
- A cobrança será feita direto na fonte, sem possibilidade de deduções no momento do pagamento;
- O valor retido poderá ser compensado posteriormente na declaração anual do Imposto de Renda.
Além disso, a regra se estende para os dividendos remetidos ao exterior, fechando uma brecha que atualmente permitia a saída de lucros sem tributação.
Período de transição
Para reduzir o impacto imediato, o projeto estabelece um período de transição. Dividendos relativos a resultados apurados até 31 de dezembro de 2025 não serão atingidos pela nova tributação, mesmo que sua distribuição ocorra até 2028. Dessa forma, as empresas terão mais tempo para se adaptar às mudanças.
Quem fica de fora da base de cálculo
Nem todos os rendimentos entram na conta do imposto mínimo. Ficam excluídos, por exemplo:
- ganhos de capital fora do mercado de bolsa;
- valores recebidos por herança ou doação;
- rendimentos de poupança;
- indenizações por acidentes ou danos;
- fundos imobiliários (FIIs) e Fiagros com mais de 100 cotistas;
- títulos ligados ao agronegócio e infraestrutura.
Essa lista de exceções foi incluída justamente para não punir setores estratégicos da economia e evitar que investimentos em áreas como agronegócio e habitação percam atratividade.
Saiba como minimizar seus impostos
Por que a tributação de dividendos está sendo proposta agora?
O governo argumenta que a tributação de dividendos é necessária para equilibrar as contas públicas diante da ampliação da faixa de isenção do Imposto de Renda para pessoas físicas. Com a nova regra, quem ganha até R$ 5 mil por mês deixará de pagar IR. Essa medida deve beneficiar mais de 26 milhões de brasileiros, mas gerará uma perda estimada de R$ 26 bilhões por ano na arrecadação.
Para compensar essa renúncia fiscal, o governo busca tributar rendas mais altas, em especial dividendos e lucros que antes não eram atingidos pelo sistema tributário. A lógica é simples: ampliar o poder de consumo da maioria da população sem comprometer as contas públicas, exigindo uma contribuição maior das camadas mais ricas.
Argumentos a favor
Os defensores da medida afirmam que a tributação de dividendos promove maior justiça tributária. Isso porque, enquanto a classe média e os trabalhadores assalariados sempre pagaram imposto sobre seus rendimentos, aqueles que recebiam lucros empresariais ficavam livres da cobrança.
Além disso, a nova tributação alinha o Brasil às práticas internacionais, já que a maioria dos países cobra algum tipo de imposto sobre dividendos.
Argumentos contra
Por outro lado, representantes do empresariado e de alguns setores do mercado financeiro criticam a medida. O principal argumento é que a tributação de dividendos pode desestimular investimentos, reduzir a competitividade das empresas brasileiras e até mesmo incentivar a abertura de estruturas jurídicas fora do país para evitar a cobrança.
Outro ponto levantado é que a alíquota de 10% poderia, somada à carga tributária já existente sobre empresas (como IRPJ e CSLL), aumentar o chamado “custo Brasil”.
O impacto esperado
Ainda que existam divergências, o governo calcula que a arrecadação adicional com a tributação de dividendos ajudará a fechar as contas e permitirá que milhões de brasileiros tenham um alívio no orçamento familiar com a nova faixa de isenção do IR.
Se aprovada pelo Senado e sancionada, a medida representará uma das maiores mudanças no sistema tributário brasileiro das últimas décadas, marcando uma tentativa de tornar a estrutura mais equilibrada e alinhada ao cenário internacional.