Como se sabe, ano após ano, programas de parcelamento tributário são criados pelas três esferas de governo, tendo em comum, em todos eles, os seguintes aspectos: (i) quitação de débitos com condições favoráveis; (ii) regularização da situação da empresa frente ao Fisco; e (iii) confissão irretratável e irrevogável da dívida, com a renúncia expressa ao direito de discutir judicialmente os débitos incluídos no programa.
Esse último aspecto (item iii) é característico de todos os programas de parcelamento tributário, e implica, inclusive, na renúncia ao direito sobre o qual se funda a ação, quando existente demandas judiciais em curso visando a inexigibilidade do tributo. Ocorre que tal cláusula gera diversos conflitos no meio jurídico, contábil e empresarial. Afinal, seria essa renúncia absoluta ou, havendo algum evento futuro que declare a exigência dos débitos parcelados como inconstitucional, tal renúncia passaria a ser considerada nula de pleno direito ou abusiva? Vejamos.
O Código de Processo Civil – CPC, em seu artigo 389, dispõe que “há confissão quando a parte admite a verdade de fatos contrários ao seu interesse e favorável ao interesse do adversário”. De imediato, já se observa que o CPC estabelece que a confissão se dá sobre fatos, apenas. Mais adiante, o art. 392 do mesmo diploma processual estabelece a impossibilidade de se admitir a confissão acerca de direitos indisponíveis, portanto, em total consonância com o artigo 389.
Nas palavras de Humberto Ávila, com relação aos fatos tributários, a manifestação de vontade do contribuinte também é irrelevante: somente a autoridade tributária tem competência para qualificar juridicamente os fatos, sem prejuízo de uma manifestação posterior do próprio Poder Judiciário.
Nessa esteira, caberia ao Legislativo criar os tributos, bem como aos Tribunais Superiores analisá-los se estão sincronizados com a constituição ou norma jurídica federal infraconstitucional, não havendo que se falar em possibilidade de confissão, pelo contribuinte, acerca da existência de um débito tributário (ou a ocorrência do respectivo fato gerador).
Destacando as palavras de Paulo de Barros Carvalho “Se no suposto há a descrição de um fato, obviamente que lá apenas encontraremos critérios para reconhecimento do evento. (…) O critério material – descrição objetiva do fato- que é o próprio núcleo da hipótese; critério espacial – condições de lugar onde poderá acontecer o evento; e o critério temporal – marcos de tempo que nos permitirão saber em que momento se considera ocorrido o fato.”.
Além do mais, não é novidade que o STJ se posiciona afirmativamente que é possível a discussão de débitos parcelados (Resp 1074186 Resp 852040, Resp nº 1.355.947).
“(…) A solicitação de parcelamento administrativo e subscrição de termo de confissão de dívida não obsta a discussão da dívida tributária”
“(…) não é possível impedir a discussão judicial do que lhe está sendo cobrado pelo Fisco em execução fiscal. Além disso, trata-se de obrigação decorrente de lei, não se podendo conceber a cobrança acima do devido, mesmo que haja uma confissão de dívida.”
Por sua vez, a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN), por meio do Parecer 396/2013, sustenta que os efeitos de uma decisão do STJ em recurso repetitivo se opera de forma retroativa, afetando todos os fatos geradores pretéritos, orientando no sentido de que, se a nova decisão for mais benéfica ao contribuinte, ela deve retroagir e atingir as constituições de débitos, bem como os lançamentos efetuados com base na legislação declarada inconstitucional e/ou ilegal, sem que tal retroação configure ofensa ao artigo 146 do CTN.
Inclusive, se coadunando o parecer 396 com o parecer 2021/2011, o qual estabelece que para o caso de decisão proferida sob o rito da repercussão geral, que declare a inconstitucionalidade de um tributo, a PGFN deveria revisar os seus lançamentos tributários e execuções fiscais, de forma retroativa, beneficiando, assim, o contribuinte, que poderá, inclusive, (a) deixar de pagar as parcelas supervenientes; e (b) pedir a compensação/restituição dos valores pagos, desde que esteja no prazo de 5 anos, contados do pagamento realizado, nos termos do artigo 168, I, do CTN.
Desta forma, podemos concluir que, havendo adesão do contribuinte a parcelamento, mediante confissão de dívida cuja exigência é ilegal ou inconstitucional, poderá não só ingressar no poder judiciário para recuperar o que foi pago indevidamente, mas também, acobertado por decisão judicial, deixar de pagar as parcelas do referido parcelamento sem a necessidade de autorização da Procuradoria ou Órgãos Fiscalizadores.
Rememorando as conclusões:
(i) a confissão de débitos exigida para entrar em um parcelamento só se dá sobre fatos, não implicando confissão de direito acerca da obrigação tributária;
(ii) pode o contribuinte buscar a declaração de inconstitucionalidade (discutir judicialmente) os débitos tributários incluídos em parcelamento.
(iii) pode ser requerida a repetição de indébito de tributo declarado inconstitucional, que fora indevidamente objeto de parcelamento.
Vale mencionar que, apesar do tema já ser posto como definido, constantemente o Fisco se posiciona contra os contribuintes, impedindo-os de discutir os débitos em parcelamento.
Portanto, a recomendação é uma análise criteriosa dos débitos incluídos em parcelamento, a fim de averiguar eventuais ilegalidades e/ou inconstitucionalidades em sua exigência.
Escrito por Thiago Bravo.